segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cartão de crédito missionário. Você já tem o seu?

Como o consumo de mensagens religiosas mobiliza um mercado cada vez mais vasto e rentável, associando crenças até mesmo a cartões de crédito.

Enquanto escrevo essa coluna, todos os telejornais noticiam as suspeitas de negócios ilegais, envolvendo o Bispo Edir Macedo e pelo menos mais oito pessoas ligadas à Rede Record de Televisão. Cifras milionárias que mobilizam diversos países e várias acusações de pessoas que doaram suas economias para conseguir obter resultados junto à graça divina. Outro dia, liguei
o rádio e, meu Jesus, ouvi um spot de 30”, apresentando o cartão de crédito que tem como bandeira a Igreja Internacional da Graça de Deus. Bote fé: a religião se tornou um meganegócio e movimenta cifras vultosas no mundo inteiro.

O telepastor RR Soares fechou parceria com a Visa e lançou um cartão de crédito que pode ser facilmente adquirido pela internet, através do site www.missionway.com.br. O lançamento já está bombando na mídia off line e on line, além, é claro, de estar na carteira de milhares de fiéis em todo o Brasil. O título desse artigo faz menção ao mais novo produto do mercado financeiro da fé. Foi, inclusive, retirado do www.refletir2.blogspot.com, um “blog com diversas materias ligadas ao Cristianismo”, que, diferente de muitos outros canais voltados para esses temas, faz uma reflexão crítica acerca da cobrança de juros por parte da igreja.

Segundo o site www.ongrace.com, que evidencia a dimensão dos negócios movidos pelo missionário Soares em âmbito mundial, “o Cartão de Crédito Igreja da Graça é mais uma forma de você contribuir com sua Igreja nas ações e obras sociais por ela conduzidas, a partir do momento que sua proposta seja aprovada pelo Banco e você passe a utilizar o seu Cartão”.
Com ele, você pode pagar suas compras em até 40 dias, financiar no crédito rotativo e fazer saques de emergência no Brasil e exterior. Para essa última modalidade de utilização, no entanto, é preciso ter adquirido a versão internacional do card.

Tudo bem que a Igreja Católica é, historicamente, uma das instituições mais ricas do planeta. Mas, catapultadas pelos meios de comunicação de massa, muitas igrejas conseguiram ampliar seus rebanhos, transformando-os em audiências cobiçadas. Pense bem: a maior parte do público que acompanha alguma crença religiosa na grande mídia busca alcançar graças a qualquer custo, mesmo que tenha que contribuir mensalmente com uma certa quantia em dinheiro, exatamente como se fosse um carnê de pagamento com suaves prestações.

Cada vez mais, a internet se torna uma ferramenta de comunicação importante também neste segmento. Até o conservador Papa Bento XVI já conversa com os fiéis através da rede, tendo muitos vídeos postados no You Tube. “A internet é uma verdadeira dádiva para a humanidade. Estas redes digitais podem facilitar a cooperação entre os povos”, disse o pontífice ao lançar seu próprio canal no You Tube, no início deste ano. O Vaticano também criou o portal www.pope2you.net, uma iniciativa da Santa Sé que visa a aproximar o papa dos jovens, considerados nativos digitais pelos especialistas em novas mídias. O novo portal promove a fé católica e oferece aplicativos que permitem que usuários do Facebook e do iPhone se integrem ao portal. Em tempos de febre do Twitter, nada mais natural do que ter seguidores na interner também no sentido religioso.


Izabela Domingues é publicitária e jornalista. Coordenadora da Pós-Graduação em Estudos do Consumo das Faculdades Barros Melo/ Aeso (PE). izabeladom@hotmail.com

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Consumo com final feliz.

Vendas de livros voltados para crianças e adolescentes não páram de crescer no Brasil.

O mercado de livros infanto-juvenis não está para brincadeira. Não é à toa que a Festa Literária Internacional de Paraty lançou, na sua última edição, realizada de 1 a 5 de julho, um novo espaço destinado a atividades culturais direcionadas ao público jovem: o Flipzona. Nele, os adolescentes puderam entrar em contato com escritores, ilustradores, grafiteiros e muitos outros profissionais ligados à produção cultural, despertando o interesse não somente pelas altas literaturas, mas por diversas manifestações artísticas que podem vir a ganhar a forma de livro: grafitagem, cartoon, poesia e muito mais. Esse braço juvenil da Flip vem se juntar à consagrada Flipinha, tenda voltada para o público infantil, que recebeu, nessa edição, autores consagrados como Ruth Rocha, Marina Colasanti e Carlos Heitor Cony.

A história das vendas de livros infanto-juvenis vem sofrendo reviravoltas como todo bom conto de fadas. Desde 2006, a produção e o consumo de títulos das mais diferentes temáticas, voltados para idades diversas, não pára de crescer. De acordo com pesquisa realizada pela FIPE por encomenda da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, o número de títulos editados na área de literatura infantil cresceu 15,18% de 2006 para 2007. Foram 3.491 obras publicadas em 2007 em comparação às 3.031 editadas em 2006. O volume de exemplares produzidos foi de 14,7 milhões em 2007, para 12,8 milhões em 2006. A literatura juvenil também apresentou um crescimento representativo: 1.519 títulos editados em 2006 para 1.711 no ano seguinte. Rosely Boschini, presidente reeleita da CBL, avalia que o resultado é muito positivo. “Isso demonstra que temos um futuro promissor para o mundo do livro e da leitura”, conclui.

E as boas vendas vão, pelo jeito, continuar sendo as heroínas do mercado ainda durante um bom tempo. A última Bienal do Livro de São Paulo, o maior evento do setor editorial na América Latina, expandiu sua área destinada à comercialização de livros para crianças e adultos em 30%, no agosto do ano passado, de acordo com a organização do evento. As vendas superaram as expectativas, impulsionando o mercado editorial brasileiro mais uma vez.

Isso tudo sem falar no mago das vendas, o bruxinho Harry Potter, que faz mágica com as caixas registradoras das livrarias nos quatro cantos do mundo. Em março deste ano, uma cópia do primeiro livro da série foi vendido por mais de US$ 19 mil nos EUA, de acordo com uma casa de leilões de Dallas. O comprador foi um colecionador de quadrinhos antigos de Dubai, nos Emirados Árabes, cuja esposa é fã do mago. “Harry Potter e a Pedra Filosofal” foi uma das 200 cópias lançadas com embalagem ilustrada pela editora inglesa Bloomsbury. A autora J. K. Rowling escreveu sete livros da série Harry Potter, que terminou em 2007 e vendeu mais de 300 milhões de cópias em todo o mundo.

Sua carteira é política.

Sua carteira é política.
Como as atitudes cidadãs estão cada vez mais associadas à escolha ou repulsa por determinadas marcas e produtos.


A eleição de Barack Obama colocou as questões relacionadas à política na pauta do dia tanto no Ocidente quanto no Oriente. E o universo do consumo não ficou de fora dessa arena de discussões em que, cada vez mais, nos posicionamos como atores socialmente responsáveis e com uma enorme força para mudar o destino não somente das nações como também dos produtos e das marcas.

No IV Encontro Nacional de Estudos do Consumo, realizado no Rio de Janeiro, em setembro passado, o consumerismo político foi o assunto dominante. O evento reuniu pesquisadores das ciências sociais, publicitários e anunciantes para discutir as tendências do consumo no Brasil e no mundo. Michele Micheletti, pesquisadora da Karlstad University, na Suécia, tratou do assunto e apresentou cases surpreendentes e impactantes, principalmente para quem trabalha com a construção de marcas e busca conquistar a simpatia dos consumidores diariamente. “Sua carteira é política”, disse Micheletti, lembrando que as escolhas cotidianas por determinados produtos em detrimento a outros têm sido uma das formas mais marcantes e eficazes de atuação política na contemporaneidade.

O mercado de bens de consumo é, sem dúvida, a mais nova área de tensões entre os cidadãos e as marcas, cada vez mais procuradas ou descartadas a partir dos valores que revelam e das práticas empregadas na produção das mercadorias. Estamos na era do buycott, termo interessantíssimo, que brinca com o termo boycott (boicote) e o verbo to buy (comprar). O buycott é o boicote a partir das suas decisões de compra, ou melhor, das suas decisões de não compra. Se você não concorda com os valores relacionados a uma marca, a melhor forma de boicotá-la no mundo atual é não adquirir os seus produtos ou serviços.

Marcas de reputação mundial como Burguer King, Nike e KFC vêm sofrendo o impacto desse consumerismo político cada vez mais forte. A internet se revela como uma arma poderosa nesse tipo de ativismo, proliferando campanhas e informações numa velocidade jamais vista. Iniciativas que vêm trazendo muita dor de cabeça para quem gerencia um dos maiores ativos das empresas no mercado global: o branding.

Ações como Kentucky Fried Cruelty, uma paródia à marca de fast food Kentucky Fried Chicken, posicionam a marca de uma maneira bem diferente daquela desejada pelos seus gestores. O site www.kentuckyfriedcruelty.com virou febre nos países em que a rede de restaurantes atua, denunciando as práticas da empresa que, segundo a campanha, não respeita os direitos dos animais. Essas práticas de buycott, organizadas em escala mundial através da web, podem não destruir uma marca, mas certamente trazem prejuízos tanto ao share of mind quanto ao share of market delas.

No Brasil, o consumo consciente ganha cada vez mais espaço na mídia de massa e nos planejamentos estratégicos das empresas. Os consumidores nordestinos, que viram muitas das empresas regionais serem adquiridas por grandes redes globais, já demonstram preocupação com o assunto, buscando se informar sobre as práticas dessas empresas em âmbito mundial. O consumo, antes visto como uma forma de reprodução do status quo, vem se tornando um instrumento de ação política, incorporando valores como solidariedade e responsabilidade socioambiental. Se o planeta Terra não tem CEO, como lembrou Michele Michelleti, cabe a cada um de nós contribuir com pequenos gestos diários para que a gestão dele seja a melhor possível.


Izabela Domingues é publicitária e jornalista. Professora de publicidade e propaganda da Universidade Católica de Pernambuco e das Faculdades Barros Melo/ Aeso. izabeladom@hotmail.com

Eu sou a coisa coisamente.

Os consumidores estão cada vez mais se tornando promotores de mercadorias e as próprias mercadorias que promovem.

Zygmunt Bauman é, sem dúvida, um dos mais instigantes intelectuais da atualidade, do alto dos seus 93 anos e vastíssimo repertório sociológico, filosófico e literário. Reverenciado em toda parte, da academia à lista dos mais vendidos, o sociólogo polonês é um dos maiores críticos do mundo contemporâneo. No livro Vida para Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadorias, ele avalia aspectos desconcertantes do que costuma denominar sociedade de consumidores. Entre eles, ganha destaque a necessidade incessante dos seres humanos estarem se renovando o tempo inteiro a fim de aumentarem seu prazo de validade. Segundo Bauman, as pessoas precisam se submeter a um constante remodelamento para que não fiquem obsoletas rapidamente, tal qual os produtos que compraram há pouco e logo serão percebidos como old fashioned.

Essa sutil e penetrante transformação dos consumidores em mercadoria é a verdade oculta da sociedade de consumo, seu segredo mais profundo e bem guardado, provoca o pensador. Bauman pondera que é o fato de sermos uma mercadoria de consumo que nos torna membros autênticos dessa sociedade. Tornar-se uma mercadoria vendável e conseguir continuar sendo-a por muito tempo é uma das maiores preocupações do mundo contemporâneo. Em entrevista recente a um veículo brasileiro de grande audiência, o autor foi questionado pelo repórter sobre qual seria o seu maior medo. Era de se imaginar que a resposta de Bauman seria, por motivos óbvios, o medo da morte. Entretanto, sua afirmação foi um reflexo dos seus estudos: lúcida e surpreendente ao mesmo tempo. “O meu maior medo é ficar obsoleto”, categorizou, sinalizando uma perfeita sintonia entre o que ele pensa e o que ele professa para seus leitores.

“Ser membro da sociedade de consumidores é uma tarefa assustadora, um esforço interminável e difícil. O medo de não conseguir conformar-se foi posto de lado pelo medo da inadequação, mas nem por isso se tornou menos apavorante.”, reflete Zygmunt Bauman. Os consultórios médicos, que tratam os males do corpo e as doenças da alma, estão cada vez mais lotados de pacientes sobrecarregados de tarefas, angústias e medos. Esses medos, aparentemente individuais, parecem ser comuns, em maior ou menor escala, à vida liquida apontada pelo sociólogo em alguns de seus outros livros, igualmente inquietantes, como Vida Líquida, Amor Líquido e Modernidade Líquida.

A quantidade crescente de sites pessoais na internet indica a coisificação crescente das pessoas e a necessidade de colocá-las numa vitrine, ou melhor, num ponto de venda on-line, pronto para ser acessado de qualquer lugar do mundo, como produtos disponíveis a um clique do mouse. A consolidação das revistas voltadas para a formação de executivos e a popularização dos cursos superiores no Brasil também apontam para a aceleração dessas tendências no nosso país. Isso sem falar dos novos financiamentos para cursos de pós-graduação, com 36 meses para pagar, lançados no último mês, a fim aumentar a remodelagem dos brasileiros e ampliar sua competitividade.

A globalização dos mercados e o advento das mídias digitais aceleram a reificação das pessoas no mundo atual. Faz lembrar o poeta Carlos Drummmond de Andrade, no poema Eu, Etiqueta, uma reflexão sobre a era industrial, que ganhou novos contornos e se intensificou na sociedade dos consumidores:

“E cada gesto, cada olhar,/Cada vinco da roupa/Sou gravado de forma universal,/ Saio da estamparia, não de casa,/Da vitrine me tiram, recolocam,/Objeto pulsante mas objeto/Que se oferece como signo de outros/ Objetos estáticos, tarifados./Por me ostentar assim, tão orgulhoso/ De ser não eu, mar artigo industrial,/Peço que meu nome retifiquem./Já não me convém o título de homem./Meu nome nome é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente.”

Izabela Domingues é publicitária e jornalista. Coordenadora da Pós-Graduação em Estudos do Consumo das Faculdades Barros Melo/ Aeso (PE). izabeladom@hotmail.com

Cocooning: o jeito encasulado de viver e consumir ganha cada dia mais adeptos no Brasil.

Pesquisa confirma a força dos produtos voltados a quem não quer saber de sair de casa.

Nos anos 80, os cinemas brasileiros foram invadidos por um filme de sucesso chamado Cocoon. Nos anos 90, esse mesmo termo serviu para a consultoria de marketing Faith Popcorn nomear um estilo de viver e consumir cada vez mais dentro de casa: o Cocooning. A menor socialização das pessoas, a partir de períodos de tempo mais longos dentro dos seus próprios lares, gerou o conceito de encasulamento, uma tendência que vem mudando os hábitos de compra de consumidores no mundo inteiro. Na primeira década do século XXI, o encasulamento ganha novos contornos e passa a denominar um modo de viver e comprar conectado de maneira crescente à web: o Telecocooning.

Se o Cocooning surge no século passado como uma maneira de viver longe da socialização, o Telecocooning aponta novas tendências das pessoas se relacionarem, conviverem e consumirem de maneira encasulada, porém sem estarem, necessariamente, dentro de casa. Essa forma avançada de Cocooning está ligada ao incremento dos recursos de mobilidade na sociedade contemporânea. A antropóloga Mizuko Ito aponta o papel crescente que o celular vem assumindo entre a juventude japonesa. Ela relata casos de jovens casais que mantém contato constante, o dia todo, graças ao acesso a diversas tecnologias móveis. Para Henry Jenkins, estudioso das novas mídias, esse é um caso evidente de Telecocooning. Eles estão sempre juntos emocionalmente, mesmo não estando próximos fisicamente. Estão encasulados entre si, apesar de não estarem dentro de casa.

Home theatres, DVDs, desktops, laptops, celulares: todos esses recursos tecnológicos criaram o ambiente ideal para o Cocooning se expandir ao trazerem o cinema, a comunicação interpessoal e as relações de trabalho para dentro de casa. E, por falar em ficar em casa por conta da internet, nada mais representativo do que encontrar, na própria rede, o site Cocoonzone.com. Na página de apresentação, ficamos sabendo que ele se destina a pessoas que buscam segurança e conforto a partir de um estilo de vida recolhido. E deseja ótimas compras para você, cocooner, que vai aproveitar mais de 700 “cocooning products” disponíveis no ponto de venda virtual.

Pesquisa da Latin Panel, realizada em dezembro passado, no Grande Rio e na Grande SP, revela hábitos de compra que vêm se popularizando no país diretamente ligados ao jeito de viver encasulado. A procura por sorvetes de pote, por exemplo, não pára de crescer entre as famílias brasileiras. Um sinal de que as pessoas estão valorizando o consumo de produtos com uso específico para dentro de casa. O percentual de compra das sobremesas prontas subiu de 7% para 11%. Assim como a procura por salgadinhos para consumo doméstico, onde a campeã de bilheteria é a batata frita. O setor de produtos para limpeza do lar também ampliou o seu share, sinalizando o cuidado com os ambientes internos como um item importante para os consumidores na atualidade.

O boom imobiliário dos home clubs e dos condomínios fechados dotados de áreas comerciais, por sua vez, representam uma extensão do Cocooning, ao procurarem concentrar em apenas um espaço tudo aquilo que uma pessoa teoricamente necessita para viver: proteção, conforto, um pouco de convívio social e lazer. Pelo jeito, o projeto “minha casa, minha vida” anda mobilizando todas as classes sociais no Brasil.

Izabela Domingues é publicitária e jornalista. Coordenadora da Pós-Graduação em Estudos do Consumo das Faculdades Barros Melo/ Aeso (PE). izabeladom@hotmail.com

Sellsumers: o que você está esperando para se tornar um?

Consumidores interessados em fazer dinheiro, não apenas em guardá-lo ou gastá-lo, ganham força em tempos de crise.

O site trendwatching.com, especializado em tendências de consumo, trouxe no final de março uma matéria muito interessante sobre como os consumidores estão se transformando em sellsumers também. Sellsumers são consumidores interessados não somente em gastar ou guardar suas economias, mas em fazer dinheiro cada vez mais, seja vendendo seus produtos, serviços ou suas próprias idéias. Esse novo comportamento se fortalece a partir da grande mudança de paradigma na criação e distribuição de informações com a presença progressiva da internet na vida dos cidadãos dos mais diversos países, faixas etárias e classes sociais e dos cenários recessivos da economia mundial.

Da mesma forma que os telefones celulares não têm mais apenas sua função primordial que seria possibilitar as pessoas se comunicarem através da fala com mobilidade, os consumidores no mundo atual não se restringem ao seu papel original de consumirem. O fenômeno dos sellsumers é mais uma manifestação da mega tendência do consumidor criativo, colaborativo e participativo. Os sellsumers abastecem outros consumidores com conteúdos variados. Uma gama diversificada de temáticas, linguagens e experiências, proliferada através de blogs, flogs, vídeos, sites especializados, comunidades, redes sociais e games, entre outros. Tudo isso de graça ou a preços incomparavelmente mais baratos, o que é superimportante em tempos de crise.

Pessoas acostumadas a viverem nas sociedades de consumo foram, ao longo das últimas décadas, familiarizando-se com o universo do marketing e da comunicação. E sendo “treinadas” para serem experts em negócios, entenderem as regras de mercado e conhecerem bastante as manhas e artimanhas da propaganda. Hoje, negócios sobre negócios interessam igualmente a produtores e consumidores. Não surpreende que esses tenham se apropriado dos conhecimentos próprios do ambiente de negócios, reservados inicialmente aos produtores de bens e serviços, sejam eles materiais ou simbólicos. Sellsumers são sujeitos confiantes no poder das boas idéias e estão disponibilizando-as em escala mundial como nunca visto antes.

O conceito de sellsumer não está relacionado, entretanto, a pessoas que começam um negócio com a função de fazerem dele sua principal fonte de remuneração. Ele pode vir a contribuir com um rendimento extra ou talvez nem isso. Nem todo consumidor se tornará um sellsumer, assim como nem todo sellsumer se transformará num empresário. Apesar de que, neste mundo de fronteiras cada vez mais tênues entre consumidores e produtores, essa última possibilidade se apresenta de maneira cada vez mais factível.

Os sellsumers surgem em uma época baseada na lógica do E, não na lógica do OU. No mundo atual, você não precisa mais escolher se fica com sua garagem para uso próprio OU se aluga para pessoas que venham passar o dia na sua cidade. Você pode ficar com sua garagem para você mesmo E também alugá-la para consumidores interessados em utilizá-la por apenas um dia ou até mesmo por algumas horas. Serviços como esse já estão sendo oferecidos por sellsumers na Inglaterra, Irlanda, Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia através do ParkAtMyHouse. E você nem precisa locar o espaço por um dia inteiro: se preferir, pode deixar seu carro estacionadinho lá somente durante o jogo do seu time preferido ou enquanto faz uma visita ao shopping mais próximo daquela casa. A internet está aí para facilitar a vida das pessoas. Inclusive na hora de ganhar um dinheiro a mais. Sellsumers de todo o mundo, uni-vos.

Izabela Domingues é publicitária e jornalista. Coordenadora da Pós-Graduação em Estudos do Consumo das Faculdades Barros Melo/ Aeso (PE). izabeladom@hotmail.com

Conteúdo transmidiático e consumo de mídias.

As cobiçadas audiências mudam sem parar. Até quando alguns publicitários vão insistir em utilizar as mesmas estratégias?

“Passamos mais tempo consumindo mídias no mundo ocidental do que fazendo qualquer outra coisa (até dormir)”, afirma Faris Yakob, ex-planner da Naked, atual Chief Technology Strategist da McCann Erickson de Nova York. Ele é o criador do blog Talent Imitates, Genius Steals (http://farisyacob.typepad.com) e autor da excelente apresentação do livro Cultura da Convergência, lançado no Brasil pela Editora Aleph, no final de 2008. Escrito pelo professor Henry Jenkins, co-fundador do MIT Comparative Media Studies Program, o livro traça um painel sobre o consumo de mídias, marcas e produtos no mundo contemporâneo através da criação de experiências de envolvimento, de participação e de interação do público com eles.

“As velhas mídias não morreram. Nossa relação com elas é que morreu.”, avalia Mark Warshaw, escritor, produtor e diretor californiano, especialista no desenvolvimento de conteúdo transmidiático para anunciantes como Ford, Volkswagen e Johnson & Johnson. Tanto Yacob quanto Warshaw colaboram com o blog Os Alquimistas Estão Chegando (www.oalquimista.com) e abastecem a rede com questões instigantes e oportunas sobre as antigas e novas formas de produção e de consumo midiáticos.

TV, rádio, jornal e muitos outros meios inventados há décadas continuarão existindo e sendo procurados pelas audiências. Não deixaremos de buscá-los, mas estabeleceremos, cada vez mais, novas formas de relacionamento com eles. No livro Cultura da Convergência, Warshaw propõe que a nova era das mídias apresenta grandes oportunidades. E que nos restam apenas três opções: ignorá-las, temê-las ou aceitá-las. Complementando seu ponto de vista, acredito existir uma quarta possibilidade: aproveitá-las. E, com isso, gerar mais e melhores negócios para nossos anunciantes e mais e melhores conteúdos para as nossas audiências.

As mídias interativas tendem a se tornar ainda mais participativas. Novos níveis de envolvimento do público, principalmente dos fãs, estão sendo atingidos para formar laços mais fortes com os conteúdos e, por consequência, com as marcas. As fronteiras entre espectadores e produtores estão cada vez mais indefinidas e não adianta fazer de conta que as formas de consumo de mídia no mundo atual não mudaram radicalmente. É prudente e, com certeza, bem mais interessante estar entre os aliados a elas.

No Brasil, especialmente no Nordeste, a produção de conteúdo transmidiático para as marcas ainda é incipiente. Na minha opinião, o fato do nosso país não ser representado por nenhum jurado na categoria Titanium, no próximo Festival de Cannes, sinaliza a imaturidade brasileira nessa área. Falar de convergência não significa, como esclarece Jenkins, tratar de uma caixa preta que conteria todas as mídias reunidas num único suporte. Mas, sim, falar de um novo jeito de se relacionar com o conhecimento, com as informações e com os conteúdos. “A convergência envolve uma transformação tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os meios de comunicação”, afirma o criador do site www.henryjenkins.org.

Convergência, inteligência coletiva e participação são conceitos que fazem parte do dia-a-dia da maioria dos consumidores e cidadãos, não podendo ser ignorados por mais ninguém, muito menos pelos profissionais que detêm o poder sobre as estratégias de comunicação e marketing das empresas na atualidade. Afinal, como propõe o mais recente filme institucional da Tim, criado pela Neogama, “toda banda larga sera inútil se a mente for estreita”.


Izabela Domingues é publicitária e jornalista. Coordenadora da Pós-Graduação em Estudos do Consumo das Faculdades Barros Melo/ Aeso (PE). izabeladom@hotmail.com